CURSOS LIVRES DE MÚSICA

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Bandas e Fanfarras

Responsabilidades, Deveres e Atitudes do Regente

by Beto Barros
Publicado na Revista Weril n.º 146

Esta matéria, em virtude da grande quantidade de detalhes envolvidos na produção de um único som, necessitaria de um livro para uma pormenorizada descrição dos assuntos; considere, então, uma composição musical inteira, e ainda de caráter orquestral! Vamos, portanto, tentar resumir ao máximo, adotando uma abordagem dos aspectos básicos principais e do desenvolvimento das habilidades específicas concernentes aos músicos e aos regentes.

Assim que a música estiver selecionada, (adequada para o seu grupo) o regente deverá se ater a duas atitudes básicas: (1) preparação da grade (score) e das partes individuais (2) ensaio e performance.

1. Preparação do score e das partes individuais
O regente deverá primeiro anotar as características principais da composição, tais como, forma, andamento, tonalidades, agógica, estilo, elementos de expressividades, dinâmica, coda, contraponto, backgrouds, riffs, solos, soli, pontos de dificuldades específicos, etc, para depois definir uma concepção ideal adequada às capacidades dos seus músicos, (fazer algumas adaptações, se for o caso) e montar um planejamento geral para realizar esta concepção nos ensaios.

2. Ensaio e performance
Na hora de dar vida à composição, o regente deve aterse aos problemas de afinação, sonoridade, timbragem (blend), fraseado e articulações, estilo, agógica, precisão rítmica, dinâmica, equilíbrio, estética, etc, e, por fim, caminhar para conseguir a concepção imaginada usando o seguinte método: tocar, escutar, comparar, diagnosticar, prescrever medidas corretivas e iniciar novamente a corrente de escutar, comparar, diagnosticar e prescrever, aprimorando cada vez mais até chegar ao resultado desejado.

Dicas e Técnicas de Ensaio
  1. Mantenha todas as cadeiras, praticáveis e outros equipamentos nos lugares antes de iniciar o ensaio.
  2. Planeje para que, se possível, nenhum assunto que não seja referente aos aspectos musicais sejam abordados. Durante o ensaio, o ideal é usar cada minuto para tratar de assuntos musicais.
  3. Sempre que possível, adiante as partes individuais antes do ensaio. Mesmo que os músicos não tenham muito tempo para prática individual, isto será muito benéfico.
  4. No planejamento da seqüência das peças a serem ensaiadas, considere a possibilidade de variações, respeitando a resistência dos músicos (especialmente os metais), mantendo também o entusiasmo do grupo, caminhando assim para a finalização do ensaio de uma maneira positiva e musical, fazendo com que os músicos deixem o ensaio em clima de confiança, prazer e contentamento. Mantenha o bom humor durante todo o ensaio, mas com firmeza! Não permita que vire bagunça, gerando desconcentração(uma piadinha ou outra é bem vinda, porém (sem perder o foco).
  5. Use um quadro negro ou algum outro método para dispor os títulos das peças a serem ensaiadas e para adicionar explicações técnicas e explanações das dificuldades. Lembre-se: um maestro que trabalha com grupo de jovens deve ser ao mesmo tempo educador e professor. O ideal é ter pelo menos um dos ensaios da semana acoplado a um curso musical, fazendo com que os aspectos que não estão indo muito bem nos ensaios, possam ser abordados com mais calma e trabalhado com técnicas específicas, para a real compreensão dos problemas.
  6. Se os músicos atrasarem-se para o ensaio, não espere. Comece no horário, trabalhe com os que estiverem no local. Exija pontualidade e termine o ensaio no horário.
  7. Se possível, grave cada ensaio, os estudos dos tapes gravados serão muito úteis no futuro, pois permitem aos músicos escutarem o que foi tocado para que possam se conscientizar dos seus próprios erros e procurar corrigir no próximo ensaio.
  8. A partir de um certo momento, comece a levar os ensaios para a performance final. Não interrompa muitas vezes, toque D.C. ao final e analise os pontos que devem ser melhorados. Anote estas pautas e faça ensaios de naipes.
  9. Permita um intervalo de 10 ou 15 minutos em ensaios de duas horas ou mais. 5 minutos de intervalo num ensaio de 1 hora e meia será adequado. Em ensaio de 40 a 75 minutos, um pequeno intervalo entre cada peça é normal.
  10. Planeje conseguir muitos avanços nos ensaios, trabalhe duro para isto, mas esteja preparado, porque o grupo normalmente consegue menos do que o desejado. Saiba tirar o máximo proveito dos ensaios, mostre aos músicos que a questão da perfeição será conseguida com a cooperação de todos e que cada músico deve ser um parceiro do maestro no sentido de conseguir os objetivos. Mesmo quando as coisas não vão bem, procure terminar o ensaio pontualmente e em alto astral.
  11. Quando fizer a leitura de uma nova peça musical, o ideal é que as partes individuais já tenham sido entregues aos músicos com certa antecedência. Caso não tenha sido possível, inicie a leitura a primeira vista, guiando os músicos a darem uma olhada geral na partitura, ressaltando as tonalidades, mudanças de tempo, notando os temas A-B-C-D etc. coda, D.C, locais de dificuldades instrumentais, uníssonos, soli, solo, etc. Faça em seguida uma leitura D.C. ao fim, antes de começar a trabalhar os detalhes.
  12. Batalhe para que cada músico aceite e pense em termos de conjunto. Estar atento, escutar a si mesmo e aos outros; conhecer bem o seu papel dentro da composição a ser tocada; evitar o ego! Este é contraproducente, faz com que o músico fique insensível, toque alto demais e desafinado, só escutando a si mesmo e promovendo inveja, ciúmes, racismo, rivalidade, etc.
  13. Encoraje os músicos a memorizarem as peças o máximo possível durante os ensaios, mesmo que elas estejam na estante durante a performance. Lembre-se também que é na hora da performance que todo o trabalho irá transparecer, portanto, mantenha os músicos relaxados, mas focados na atuação; ou seja, sem tensão, mas concentrados.
  14. Quando tiver que designar um novo começo após uma parada, dê uma posição precisa do ponto a ser iniciado, tal como “quatro compassos após A”, começando no terceiro tempo, ou “dois compassos antes do B”, ou ainda, “nove compassos antes de C”, etc, e assim por diante.
  15. Após uma interrupção, por exemplo, uma explicação técnica, vá direto ao ponto de forma precisa e concisa. Muita conversa por parte do regente é um dos mais freqüentes impedimentos de se chegar ao bom resultado musical.
  16. Cuidado com o hábito de cantarolar junto com os instrumentos. Isto poderá impedir que você escute a execução adequadamente.
  17. Sempre que possível, chame a atenção dos músicos sobre os aspectos de conteúdo espiritual das composições, assim como forma, gênero, estilo, etc, porém sem ser prolixo demais. O tempo dos ensaios é sempre escasso e deve ser bem aproveitado. O ideal é desenvolver um curso com o grupo, em que estas questões poderão ser abordadas num dia diferente dos dias de ensaio.
  18. Encoraje os músicos a serem mais ousados do que temerosos em sua performance. Eles não devem ficar preocupados em cometer erros. Uma abordagem muito cautelosa fará com que eles progridam menos do que se errassem estrondosamente.
  19. Fique atento quando os sinais de cansaço e aborrecimento começarem a aparecer. Esteja preparado para alterar os planos do ensaio quando isto acontecer.
  20. Insista sempre em obter um som afinado, bonito e com postura. Lembre-se: em uma banda desafinada, nada vai bem!
  21. Não ensaie uma passagem várias vezes, quando o objetivo da atenção é um compasso ou dois dentro da passagem. Às vezes, é preferível adiar o problema para ser resolvido com calma, nos ensaios específicos de naipes. Eleja chefes de naipes para fazê-lo, num horário fora do ensaio normal.
  22. Principalmente quando trabalhar com bandas muito jovens (infantis e juvenis), fique bem atento com o moral dos integrantes. Não imprima uma quantidade de críticas que eles não poderão suportar. Lembre-se, por serem ainda muito jovens, eles têm realmente vários tipos de problemas, ou seja, além dos aspectos técnicos, também os psicológicos, pessoais e outros, portanto, saiba que é mesmo muito difícil fazer uma banda jovem tocar com maturidade técnica e artística. Como já disse, o maestro deve ser um educador e ensiná-los como fazer.
  23. Durante os ensaios gerais, evite trabalhar muito somente com um naipe, enquanto os outros ficam inativos.
  24. No instante que você sentir que os músicos não estão respondendo à sua regência como deveriam, tome ações corretivas. Não ensaie somente para a próxima performance, mantenha uma filosofia cultural com o grupo. Reúna-os para fazer audições de grandes bandas e orquestras, estabelecendo um padrão de qualidade artística. Ouça a Sinfônica de Nova York, Brahms, Strawinsky, Ravel, Debussy, Shoemberg, Count Basie, muito jazz, etc, etc, etc. Faça comentários, colha opiniões entre os integrantes, analise, promova o desejo da excelência em música sempre que possível.
  25. No último ensaio que precede a performance é sempre aconselhável encerrar com o arranjo que estiver mais bem preparado e soando melhor. Toque D.C. ao fim! Isto irá gerar um clima de confiança entre os integrantes, este mesmo arranjo deverá começar a apresentação. Lembre-se de que começar bem é sempre um bom começo.
  26. A sua psicologia com relação aos integrantes da banda é, às vezes, mais importante do que as suas habilidades e competência musical. Trabalhar com banda de estudantes exige do regente a habilidade de ser ao mesmo tempo professor e educador. Portanto:
    1. Cuidado com o tom de voz nas críticas. Seja firme, mas com brandura, carinho e bom humor.
    2. Críticas de caráter mais pesado a um elemento individual não deve ser feito na presença da corporação, procure resolver os problemas em particular.
    3. A realização dos aspectos musicais exige uma disciplina comportamental. Não deixe que todo mundo fale ao mesmo tempo. É muito comum após o ensaio de uma passagem difícil, que o maestro queira comentar uma série de correções, mas a tendência da banda é tentar tocar novamente os trechos da passagem que eles não conseguiram tocar, gerando assim uma balbúrdia sonora, muita confusão e uma enorme perda de tempo. Não permita isto! Crie o hábito de quando um integrante quiser falar, que levante a mão e aguarde o critério do maestro para ser atendido.
    4. Procure criar um clima de cooperatividade entre os integrantes da banda. Seja sempre amigo de todos, dê o bom exemplo de conduta, reforce toda boa ação e execução musical de todos os integrantes da corporação. Isto vale ouro!
    5. Para finalizar, use sempre palavras de encorajamento. Termine o ensaio em alto astral, se possível tenha à mão uma lista de atitudes e providências a serem desenvolvidas no próximo ensaio, bem como repertório e trechos de dificuldades que serão abordados. Isto faz com que os integrantes cheguem preparados para enfocar os assuntos em pauta.

Beto Barros dirige sua própria empresa de produções artísticas e culturais

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Música Erudita e Música Popular

by Marcos Aurélio A. da Silva


Desde os menestréis e trovadores, na Idade Média, se vê, claramente, uma divisão na música. Na Renascença havia a música sacra (composta para ser executada em cultos religiosos), assim como, a profana (composta para ser executada nas tavernas etc). Hoje, há a música erudita e a música popular.

Não são poucas as pessoas - dentre essas, muitos intelectuais - que chamam, erroneamente, toda composição de caráter sinfônico de música clássica. Música clássica seria aquela composta no período clássico, que compreende, na música, aproximadamente os anos dentre 1750 a 1810. O correto, no entanto, seria chamá-la de música erudita, por seu caráter solene e por sua complexidade de formas, texturas e estilos. Ainda no classicismo, a música tem, em Wolfgang Amadeus Mozart, um compositor de destaque e relevante importância. Ele escrevia para orquestra, para coral e sua música, além da solenidade necessária aos eruditos, era extremamente complexa para os padrões da época. Mozart, ainda hoje, é considerado um dos maiores gênios da música mundial. Não obstante, o mesmo Mozart era muito popular. Sua música estava intimamente ligada à sua época e, pode-se dizer que, ele, apesar de insatisfeito com sua condição de músico da corte, era o que, atualmente, chamaríamos de sucesso. A arte musical de Mozart, que foi um compositor genuinamente clássico, também era popular. Poderíamos então, chamar de popular, aquela música que a população, em sua maioria, consome. A música de Tom Jobim, por exemplo, foi e é popular. O mesmo Jobim se tornou clássico, na nossa música, pela beleza, pela seriedade de sua obra, por sua arte. Talvez tenhamos aqui um novo divisor de águas: de um lado, música, de outro, falsificações; ou ainda, música e música utilitária. O conceito de música utilitária se aplica àquela música que serve a fins diversos e nem somente artísticos; "A arte foi arte utilitária, antes de se tornar arte - era, por exemplo, imagens de deuses nos templos, adornos nos túmulos, música para banquetes e de dança" (NOBERT, 1995, p. 50.). A Música, neste contexto, é o que menos importa e serve somente como entretenimento, assim, se estabelece um mercado que não serve de estímulo para o crescimento e mudança da sociedade, somente, como elemento alienador, como um artigo de consumo. É o que Adorno chama de Kulturindustrie.

O termo Indústria Cultural é usado por Adorno para designar a exploração sistemática e intencional de bens culturais com fins comerciais em detrimento da cultura, com o cuidado de evitar uma comparação com uma arte que surja espontaneamente no seio popular, como por exemplo, a arte folclórica. Estabelece-se um mercado, onde as obras de arte são rebaixadas ao nível de simples mercadoria palpável obedecendo à lei da oferta e da procura, negando-lhes, o que para Adorno seria o princípio fundamental da obra de arte; a liberdade. As artes, a música, para ele, buscam a verdade, e somente podem atingi-la se forem concebidas livres.

 Desde os meados do século XIX a grande música divorciou-se do consumo. A coerência de seu desenvolvimento está em contradição com as necessidades que se manejam e que ao mesmo tempo satisfazem o público burguês. O gosto público e a qualidade das obras ficaram divorciados.(ADORNO, 2002, pp. 16-7).

 A arte servindo a uma indústria de produção, voltada única e exclusivamente para um público consumidor, que não reflete sobre a obra e espera reconhecer sempre algo familiar na produção artística, de nada contribui para crescimento da sociedade e da própria arte, assim, determina-se um mercado manipulável, injusto, desigual, aberto a toda sorte de interesses e sem função sócio-cultural, levando a arte, a perda de seu caráter artístico. A grande música a que Adorno se refere, é para nós, uma referência de música que valorize a liberdade de criação e não as imposições de um mercado. Não temos aqui, o objetivo de tecer crítica em relação a indústria cultural, e por isso, não nos aprofundaremos em seu conceito, fazemos apenas uso deste princípio adorniano com norte filosófico para nossa pesquisa, traçando, a partir daí, um paralelo com nossa cultura. Assim, gêneros musicais como: o jazz e o choro, tidos historicamente como populares, não o são nem em seus países de origem - Estados Unidos e Brasil respectivamente -, por tanto, música é música, seja ela sinfônica ou improvisadamente jazzística, tocada por uma grande orquestra ou por um simples quarteto com piano, baixo, bateria e saxofone. A questão é distinguir música de imposições mercadológicas. Winton Marsalis, grande trompetista americano, que vai do erudito ao jazz com a mesma fluência, nos traz um depoimento muito elucidativo.

Se nossa noção de arte fosse melhor e nossa noção de história mais forte, não teríamos que aceitar a idéia de que entertainers são artistas. Não tenho nada contra a música pop, mas realmente me ressinto com a pretensão que se atribui ao entretenimento de hoje. Se você vende milhões de discos, talvez esteja realizando uma façanha econômica, mas não artística.(MARSALIS, 2000, pp. 13-4)
A relação música/sociedade
   
A música sempre esteve ligada ao seu tempo e a sociedade como um todo, onde o músico, o compositor, enfim, o artista, só pode exprimir a experiência e a emoção daquilo que seu tempo e suas condições sociais podem lhe oferecer. Vejamos o que Adorno que também era compositor - tendo estudado composição com Alban Berg – e dedicou boa parte de seus pensamentos à arte, como um todo, e a  música, em especial, nos diz:

O homem sempre se relacionou com o som. Do grito do homem das cavernas ao som contemporâneo, passando por todas as etapas intermediárias, o homem sempre fez e ouviu música.(ADORNO, 1980, P.259).

 Adorno ainda nos situa bem sobre esta relação da seguinte forma:

 "O artista não é um criador. A época e a sociedade em que vive não o delimitam de fora, mas o delimitam precisamente na severa exigência de exatidão que suas mesmas imagens lhe impõem".(ADORNO, 2002, p.38)

Façamos uma viagem histórica para entendermos bem esta relação. Da Idade Média até o século XIX, a música marca sua relação social fazendo parte da evolução cultural ocidental, compreendê-la fazia parte da cultura geral da população. Entre o cantochão e o poema sinfônico -    Cantochão: a mais primitiva forma de composição musical que consiste em uma única melodia; Poema Sinfônico: gênero que foi criado com o intuito de evitar o abandono da tonalidade no fim século XIX - , perpassando por oratórios, missas, canções profanas, óperas, lieder, concertos, sonatas, rondós e várias outras formas de composição, artistas como Léonin, Dufay, Josquin, Palestrina, Monteverdi, Vivaldi, Bach, Haendel, Mozart, Beethoven, Haydn, Listz, Verdi, Elgar e tantos outros gênios da música, viveram, intensamente, suas realidades sociais através de suas composições e interpretações. A música, neste longo período da história, era tão ligada ao momento social vivido que uma peça em estilo barroco, por exemplo, só seria executada durante o classicismo se o intérprete conferisse à música ares de contemporaneidade, ou seja, se o artista criasse uma atmosfera clássica para a peça barroca. Não interessava, naquela época, a produção do passado, e sim, a produção que retratava o cotidiano e essa produção só poderia ser representada por obras mais recentes - entre os períodos Barroco e Clássico, houveram várias e contundentes transformações na arte musical, da estrutura das obras à maneira de executá-las, por isso, para que uma peça barroca fosse apresentada durante o classicismo, necessitava de adaptações, ao mesmo tempo, a produção musical contemporânea era, para o público consumidor, mais importante e atraente que a produção musical de períodos anteriores, talvez, pelo forte elo entre arte e sociedade.

No final do século XIX muitas vertentes musicais começam a surgir dividindo compositores, músicos e apreciadores em geral. Wagner, na Alemanha, já sinalizava que novidades estavam por vir. Contudo, foi Debussy, na França, por volta de 1894, com seu Prélude à l'Après-Midi d'um Faune, que iniciou a libertação do uso da tonalidade, em busca de uma estruturação harmônica menos convencional. Nos Estados Unidos da América, há o desenvolvimento do jazz e do blues, gêneros musicais oriundos do sofrimento dos escravos, que longe da terra natal e de suas famílias, encontravam consolo nas simples canções de trabalho, e a música, neste contexto, por sua vez, faz-se presente retratando a dura realidade por eles vivida, e talvez sejam estes dois gêneros musicais, no mundo ocidental, os mais expressivos e importantes, socialmente, desde o fim do século XIX, pois, através deles, toda uma sociedade marcada pela discriminação, pela tristeza e pela dor, se fez ouvir em canções que ecoaram em todo o mundo e ainda hoje influenciam uma enorme quantidade de músicos, compositores e apreciadores, criando novos gêneros musicais, como por exemplo, a bossa nova.

No Brasil, na segunda metade do século XIX, um povo, cada vez mais convicto de que a República seria o melhor caminho, aprecia o desabrochar do que seria o primeiro gênero da nossa canção, a modinha -gênero de música com forte influência da ópera italiana, que cruza as fronteiras dos salões do Império para encontrar acolhida nas festas de rua e que desde o século XVI se manifesta em influências que sofremos da música portuguesa -.Depois viriam muitos outros como: lundus, maxixes, marchinhas de carnaval, sambas, choros... eternizados por mestres da nossa música como:  Chiquinha Gonzaga, Joaquim Antônio da Silva Calado, Catulo da Paixão Cearense, Carlos Gomes, Heitor Villa-Lobos, Alberto Nepomuceno, Ernesto Nazaré, Guerra Peixe, Radamés Gnatalli e vários outros. Nikolaus Harnouncourt nos fala: "Obviamente a música não é intemporal, ao contrário, está ligada ao seu tempo, e, como toda expressão cultural do homem, é de importância primordial para sua vida."(HARNOUNCOURT, 1988, p.24). No século XX, cada vez mais elementos do cotidiano são incorporados à produção dos artistas, e surge, a partir daí, um termo, que é cada dia mais utilizado por estudiosos e artistas; Paisagem Sonora.


 Marco Aurélio A. da Silva, é Instrumentista, compositor, pesquisador, professor, arranjador e produtor musical. Bacharel em Música, Especialista em Docência do Ensino Superior e Mestre em Ensino de Ciências do Ambiente.
Contato: maureliosilva@ig.com.br


BIBLIOGRAFIA

ADORNO, Theodor Wiesengrund. Filosofia da Nova Música. São Paulo: Ed. Perspectiva, 2002.

ADORNO, Theodor Wiesengrund. Idéias para a Sociologia da Música. Rio de Janeiro: Abril cultural, 1980.

HARNOUNCOURT, Nikolaus. O Discurso dos Sons. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1988.

MARSALIS, Winton. Uma Arte chamada Jazz. Rio de Janeiro: Jornal da Associação de Músicos Arranjadores e Regentes, 2000.

NOBERT, Elias.  Mozart, sociologia de um gênio. Rio de Janeiro: Jorge Zarah Ed., 1995.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

A HISTÓRIA DA MÚSICA E SUAS FORMAS - atualidade

ATUALIDADE.

A música erudita da atualidade costuma ser bastante radical: gosta de experimentar sons inéditos e de criar novas linguagens. Com freqüência, essa música interessa-se pelas altas matemática, pela teoria da informação, pela lingüística, pela semiótica, pela linguagem dos computadores, pelas novas teorias da física, assim como pela filosofia oriental. Além disso, costuma relacionar-se com a tecnologia, às vezes adotando suas conquistas, outras vezes negando-as frontalmente. Por outro lado, boa parte dessa música que alguns chamam de "experimental" tende a ser bastante problemática, pois propõe e procura resolver questões, indagações de ordem intelectual. Adotando tal posição, muitos compositores da atualidade inventam obras não mais construídas sobre modelos pré-existentes, mas escolhido de antemão ou ainda dos agentes sonoros empregados.
O nosso tempo é o da música e o da antimúsica, dos happenings e performances, dos instrumentos tradicionais e dos sintetizadores de sons cada vez mais aperfeiçoados. Nossa época é a da música ora escrita, ora improvisada no momento de execução, da música ultracontrolada - concebida como esmerilhados cristais sonoros - e da música processo, que é tão variável que pode mostrar sempre uma nova fisionomia a cada nova apresentação. Vivemos, assim, um instante de relativização de todos os antigos conceitos, o de uma revolução musical permanente.

O panorama da música surgida na Europa e nas Américas após a Segunda Guerra Mundial é amplo, contraditório, integral quando eram controlados todos os detalhes de uma obra e o da música aleatória, em que os artistas davam ao intérprete grande margem de liberdade na reconstrução de suas peças musicais. Houve o tempo da música eletrônica, feita a partir de sons conseguidos em laboratórios eletracústicos, e o da música concreta, elaborada sobre elementos retirados do cotidiano.
Durante a década de 1960, presenciou-se o nascimento de novas técnicas de improvisação coletiva, da música feita com o auxílio de computadores, da música eletracústica ao vivo, do novo teatro musical, dos espetáculos multimídia, dos happenings e da antiarte. Hoje, ao lado de todas essa tendências, ainda há espaço e lugar para namoros com o passado, para o clima algo hipnótico da feita de variações mínimas, para colagens pop e, até mesmo, para uma espécie de volta à tonalidade, presente em vários compositores que, no início da década  de 1950, haviam sido os primeiros a abandoná-la.
E, igualmente, há lugar para a música panfletária que se esforça por provar que toda essa música de vanguarda é "decadente" - "burguesa", enfim...  

O norte-americano George Crumb, nascido em 1929, completou o ciclo Makrokosmos II em 1973.
Este traz como subtítulo: "doze peças em forma de fantasia sobre o Zodíaco para piano amplificado" e contém reminiscências dos mundos medieval, impressionista e moderno aliadas a certo "clima" oriental. Essas peças revelam bem o ecletismo do autor, que procura fugir das fórmulas pré-existentes.

Crumb cria uma música bastante livre, partindo de algumas poucas idéias básicas. Aqui, todo um mundo de sonoridades novas aflora a partir de sua maneira de tratar o piano amplificado, através do uso dos pedais e do contato direto dos dedos com as cordas.

segunda-feira, 21 de setembro de 2015

A HISTÓRIA DA MÚSICA E SUAS FORMAS - modernidade

MODERNIDADE.

A música de nosso século coloca-se em contato, à sua maneira, com a multiplicidade e a complexidade dos aspectos da vida moderna. A partir da riqueza de suas propostas, também ela dá mostras de ser contraditória, inquieta e, às vezes, muito angustiante. Em uma época atormentada, em que a maioria dos velhos conceitos é relativizada, a própria música resolve colocar-se em questão. Assim, ela discute profundamente os pressupostos da sua própria linguagem, indicando sempre novas maneiras de pensar o espaço sonoro, agora visto como um universo em perpétua expansão.
Entre as estéticas mais radicais do século encontra-se o dodecafonismo, inaugurado por Arnold Shoenberg na década de 1920 e desenvolvido de imediato por seus discípulos Alban Berg e Anton Von Webern. Ao instaurar esse revolucionário sistema composicional - processo que estabeleceu a igualdade entre todos os sons, abolindo a antiga hierarquia - Schoenberg operaria uma transformação no panorama musical apenas comparável às levadas a cabo por Beethoven, que deu a partida ao movimento romântico. Talvez por isso Shoenberg tenha sido considerado sempre um músico "maldito", pois que ousou reformular toda a linguagem musical. Contrapondo-se a  essa estética, o neoclassicismo (Prokofiev na União Soviética, Malipiero na Itália, Hindemith na Alemanha, Poulenc e seus amigos na França , Vila-Lobos no Brasil, etc.) esforçou-se em recuperar procedimentos da música antiga, tentando fazer com que a História andasse ao invés.
Quase ao mesmo tempo, surgiram novas ondas de um nacionalismo não mais de raiz romântica (de Falla na Espanha, bartok na Hungria), paralelamente à tendência de encarar a música como uma arma política (Shostakovich na URSS, Eisler e Weill na Alemanha, Dallapiccola na Itália). Por outro lado, a vontade de abolir a pretensa "seriedade" da música erudita foi colocada em prática, de maneira dadaísta, por Satie, enquanto que compositores como Ives e Varése operavam experimentações notadamente personalista.    

Dentro desse quadro do qual apontam-se aqui apenas alguns traços, sobressai a figura de Igor Stravinsky. Iniciando-se à sombra dos nacionalistas russos e dos impressionistas franceses, ele logo proporia obras espetacularmente "bárbaras" por colocarem o ritmo em evidência.
Depois, refugiar-se-ia por longos anos em um neoclassicismo abandonado no final de sua vida, quando enfim adotou o dodecafonismo de Schoenberg.
Sua serpenteante trajetória é bem uma vívida metáfora da música de nosso século.

Igor Stravinsky (1882-1971) escreveu a sonata para piano em 1924, durante o seu discutido período neoclassicismo. Nessa época, o compositor dedicava-se à investigação de vários momentos do passado musical do Ocidente, utilizando muitas vezes nessa aventura ora a "máscara" da paródia, ora as armas da ironia. Na Sonata, Stravinsky empregou principalmente elementos provenientes do Barroco e do Romantismo, dois momentos históricos que ele fez questão de reunir em uma mesma partitura.
Em seus movimentos externos, é lembrada a antiga maneira de escrever música para cravo; na seção central, é feita uma dupla homenagem: a Bach e a Chopin, que aí se encontram sob o prisma do humor.

Anton Von Webern (1883-1945) compôs as quatro Peças para violino e piano, Op. 7 em 1910, momento em que a música já assumira radicalmente a atonalidade, espaço sonoro no qual não havia mais referências à harmonia tradicional.
Essas peças, como já se disse uma vez, parecem concentrar todo um romance em um só suspiro.

Concisas ao extremo, são como que delicados epigramas que encarnam o som em sua própria materialidade. Esses sons gotejantes, por sua vez são colocados em relevo por expressivos silêncios, aqui tomados em pé de igualdade com a matéria que chega aos nossos ouvidos. Música extremamente clara, ela é, por outro lado, difícil de ser ouvida, já que aponta para um futuro que mal adivinhamos.

domingo, 20 de setembro de 2015

A HISTÓRIA DA MÚSICA E SUAS FORMAS - pós-romantismo

PÓS-ROMANTISMO.


No final do século passado, grande parte da atividade musical européia dividia-se em dois blocos opostos: um que encarava Wagner como a essência mesma da música progressista, outro que via em Brahms o expoente máximo da música  verdadeiramente digna - clássica, enfim.
Influenciados por Wagner, compositores como Richard Strauss levariam a música até as margens da tonalidade; seguindo o exemplo de Brahms, artistas como Max Reger retornariam as formas antigas, dando início a uma tendência que, mais tarde, consolidar-se-ia no neoclassicismo. Por outro lado, houve uma nova radicalização no sentido de se firmarem linguagens nacionais, contrapondo-se à hegemonia germânica. Albeniz na Espanha, Janaceck na Checoslováquia, Mascagni na Itália e Elgar na Inglaterra foram alguns dos muitos responsáveis pelo ressurgimento do sentimento nacionalista em seus países.
Essa "crise" da música fim-de-século pode ser vista como uma crise da própria linguagem musical.
Pois dois dos principais pilares sobre os quais ela assentava-se desde o Barroco - a tonalidades e as formas simétricas - entraram aí em processo de dissolução, apontando para o seu avesso: o mundo da a tonalidade e o das formas abertas, em perpétua expansão. A música desse momento que agora parece-nos mais criativa viveu agudamente tais contradições, explorando-as em obras que, em sua época, muitas vezes foram taxadas simplesmente de "decadentes". Na verdade, muitas delas apontam, a um só tempo, para o passado e para o futuro: por um prisma, trazem as marcas de um romantismo assumido até o ponto máximo de saturação; por outro prisma, já prenunciam certos traços que haveriam de ser alguns dos mais marcantes da modernidade.
Durante o Pós-Romantismo, assiste-se à exacerbação dos meios expressivos, responsável pelo surgimento de obras desmesuradas como as enormes sinfonias de Gustav Mahler e os gigantescos poemas sinfônicos de Richard Strauss.
Essas obras baseavam-se não apenas no alargamento e na deformação consciente dos esquemas formais abordados, como também na ampliação da próprias fontes sonoras colocadas em jogo - orquestras mais para estádios do que para salas de concerto... Simultaneamente descobriu-se que o timbre, a "cor" do som podia ser encarado como elemento informativo, tomado em pé de igualdade com a própria melodia. Isso fez com que a música passasse a se assemelhar a vitrais (Mahler) e a pinturas pontilhistas (Debussy). E ao lado do ultra-refinamento do estilo, levado a cabo por Ravel, presenciou-se ao gradual esfacelamento da tonalidade, presente tanto em Alexander Scriabin quanto no jovem Arnold Shoenberg.

Claude  Debussy (1862-1918), considerado por alguns um mero "impressionista" que mal sabia alinhavar idéias musicais, foi um desbravador que jamais deixou de olhar, de maneira criativa, para o rico passado do mundo dos sons. Assim, ao lado de obras revolucionárias por suas inovações, escreveu outras nas quais buscou captar a tradição que considerava a mais viva. Esse é o caso de Dieu, qu'il a fait bom regarder! Do ciclo três canções de Charles d'Orléans, de 1898-1908. Seu texto bem antigo fala, de forma sempre apaixonada, das belezas de uma mulher. Nessa peça, a harmonia moderna e a escritura vocal arcaica ressuscitam o clima da velha arte do tempo de Janequin.


Richard Strauss (1864-1949) viveu de maneira tão intensa o clima "outonal" da música do final do século passado que, até a sua morte, jamais conseguiu desprender-se dele inteiramente. E se boa parte de sua produção exemplifica a tendência ao monumental, outra faceta sua coloca-nos na intimidade de uma personalidade repleta de sutilezas. Sua canção Morgen! (amanhã!), sobre versos de Mackay e datada de 1894, é notável pela introversão e pela vontade de fazer com que o piano "cante" tanto quanto a própria voz. Canção que explora ao máximo as possibilidades desse gênero tipicamente germânico, Morgen! É como que um último adeus ao romantismo. Seu texto fala da certeza do reencontro de um par de amantes em meio à natureza ensolarada.

sábado, 19 de setembro de 2015

A HISTÓRIA DA MÚSICA E SUAS FORMAS - romantismo

ROMANTISMO.


O Romantismo tomou conta de quase todo o século XIX, através de várias ondas sucessivas de artistas altamente criativos, donos de prodigiosa imaginação. Acompanhando o movimento geral das outras artes e procurando aproximar-se delas pelo maior número de ângulos possíveis, a música desse período foi marcada pelo individualismo e pela subjetividade. Muitos de seus compositores tornaram-se autênticos revolucionários; outros sonharam bem mais do que escreveram; e a maioria deles via em Beethoven uma figura mítica de patrono que, uma vez, havia demonstrado a possibilidade do artista ser livre.
Quase todos os grandes compositores dessa época buscaram novas formas de expressão a fim de simbolizar, através delas, os seus sentimentos mais íntimos, mais indefiníveis. Com isso, nasceram no campo orquestral o poema sinfônico e as aberturas baseadas em programas literários. No domínio dos instrumentos solistas, apareceram peças ora curtas, como breves confissões, ora esparramadas, de caráter rapsódico ou improvisatório. O Romantismo foi sobretudo a época do compositor- virtuose, a um só tempo profeta e herói desses novos tempos anunciados pela Revolução Francesa. Escrevendo suas obras e encarregando-se de apresentá-las diante do público, eles conseguiram abrir novos espaços não apenas de expressão como também de trabalho remunerado.
Nunca, em tempo algum, vida e arte andaram tão juntas e às vezes tão misturadas quanto no Romantismo. E o desejo de liberdade expresso por alguns dos seus principais artistas fez com que compositores de muitos países se voltassem para as suas músicas nacionais, fazendo com que a arte do Ocidente passasse a falar um considerável número de coloridos dialetos...
Os românticos ampliaram a maioria dos campos da composição musical, notadamente no plano da harmonia, que com eles se tornou mais rica e cheia de sutileza. E a vontade de fazer com que a música passasse a dialogar com outras artes fez nascer não apenas a música de programa como também a canção artística e, sobretudo, o drama musical.
Este, no fundo, era uma nova radicalização da ópera, vista agora como um espetáculo situado entre áreas diversa, espécie de obra de arte total que fundia teatro, poesia, dança, artes plásticas e, não por último, música.
Shubert e o seu lirismo inovador, Shumann e a sua repetição da personalidade, Liszt e as suas ousadias harmônicas, Wagner e os seus projetos revolucionários, Berlioz e a sua nova orquestra, e Chopin e o seu plano intraduzível são algumas das muitas personagens da aventura romântica.

Franz Shubert (1797-1828) foi possivelmente o maior inventor de melodias da nossa civilização mostrando através delas a sua sensibilidade profundamente lírica. Muitas de suas obras instrumentais, no fundo, são prolongamentos do espírito lírico que alimenta os seus lieder, as suas canções. Isso acontece com o Andante com moto pertencente ao Trio em mi bemol maior, Op. 100, escrito para piano, violino e violoncelo no final do penúltimo ano de sua vida. Aí, sobre o ritmo inicial de uma marcha lenta, Shubert colocou uma ampla melodia, constantemente retomada, que viaja por tonalidades maiores e menores, em um percurso sempre muito atraente, onde não faltam nuanças e sutis surpresas.


Através de Frédéric Chopin (1810-1849) e de alguns de seus colegas de geração, o piano passou a ser visto como um instrumento auto-suficiente, capaz de desvendar os múltiplos meandros do universo interno do compositor. Para o seu instrumento predileto, ele compôs obras ao mesmo tempo livres e equilibradas, inovadoras e também cativantes a uma primeira audição. Como em nenhum outro artista romântico, em Chopin o piano canta melodias sem palavras, armando um mágico mundo feito de suaves transparências e de violetas mudanças de ânimo. Essas características, aliadas ao ímpeto emocional, estão presentes o estudo em dó sustenido menor Op. 25, nº7, publicado em 1837.

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

A HISTÓRIA DA MÚSICA E SUAS FORMAS - classicismo

CLASSICISMO.


O Classicismo, período que alguns denominam um tanto pejorativamente de Rococó, desenvolveu-se durante a Segunda metade do séc. XVIII. Ligando o Barroco ao Romantismo, ele nos leva da época do desaparecimento de J.S. Bach à da maturidade de Beethoven, já no início do séc. XIX. De seus refinados compositores, o repertório usual guardou  sobretudo os nomes de Joseph Haydn  e de Wolfgang Amadeus Mozart. Não sem razão, pois ambos são gênios indiscutíveis...
Durante o período clássico, os compositores gradativamente abandonaram a polifonia em definitivo, em favor da melodia acompanhada.
Foi um momento no qual toda a Europa deixou-se influenciar pela calorosa música italiana, de contáveis contornos melódicos e de contagiantes e alegres ritmos. O Classicismo foi, igualmente, o tempo da simetria: mais do que em qualquer outro momento, os artistas preocupavam-se em escrever obras perfeitamente equilibradas . A tendência barroca de subjugar os ouvidos pela complexidade das formas e pelo tom espetacular da expressão foi deixada de lado. Em seu lugar, a palavra de ordem passou a ser seduzir pela elegância, pela fisionomia "galante" de uma música feita não para chocar, mas para agradar, para acariciar os ouvidos. Enfim, boa parte da música passou a ser encarada como um muito sutil e aristocrático divertimento.
Abandonando o baixo-contínuo do período anterior a fim de conseguir maior leveza e mobilidade da música - o Classicismo assumiu inteiramente o universo da tonalidade. E explorou a dinâmica desse sistema em divertimentos e serenatas, em quartetos de cordas e em outras formações instrumentais de câmara, em concertos para solista e em sinfonias, em música sacra decididamente profana e em óperas ora sérias, ora bastante cômicas.
O Classicismo foi, também, a época do aperfeiçoamento da escritura e dos conjuntos instrumentais: criou-se conceito de uma orquestra equilibrada, baseada nas cordas e nos sopros, ao mesmo tempo em que se anotava criteriosamente no papel, especialmente para essa nova orquestra, toda uma série de nuanças expressivas que deram a ela um extraordinário vigor.
Acima de tudo, o Classicismo foi a era da forma-sonata, maneira de compor música muito peculiar. 

Partindo-se de duas idéias contrastes uma melodia "masculina" e outra "feminina", por exemplo criavam-se obras muito vívidas, onde esses elementos eram constantemente transformados, através de um processo conhecido como "desenvolvimento temático",. A forma sonata, que podia ser empregada tento em uma peça para piano quanto em uma sinfonia, demonstrou ser uma descoberta tão interessante que, ainda hoje, é utilizada por muitos compositores.

Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791) foi um ser tão extraordinariamente musical que conseguiu deixar a marca do seu gênio em tudo o que escreveu. Ainda que compondo simples "música de fundo" para refeições do seu patrão, o Príncipe arcebispo de Salzburgo, da Áustria, ele foi capaz de deixar claro que, por trás da fisionomia "galante" sua música sempre contava as misteriosas ciências da invenção. Esse é o caso do divertimento. Seu primeiro movimento, um tema seguido de variações, foi originalmente escrito para pares de oboés, trompas e fagotes; aqui ele é apresentado em um interessante arranjo para quinteto de sopros, integrado por flauta, oboé, clarinete, fagote e trompa.


Ludwig van Beethoven (1770-1827), um dos mais revolucionários compositores de todos os tempos, foi na juventude o mestre da clareza nitidamente clássica e, na maturidade, o inaugurador da mentalidade libertária do Romantismo. Até ele, raros artistas haviam conseguido retirar tantas conseqüências das formas herdadas do passado, redimensionando-se e projetando-as em direção ao futuro da linguagem musical. Seu lado clássico, de sucessor de Haydn e de Mozart, é perceptível no movimento final do seu Sexteto e mi bemol, Op. 71, escrito em 1796 em plena juventude , portanto. Esse alegre rondó com um refrão e suas variantes foi pensado originalmente para pares de clarinetes, trompas e fagotes; é mostrado aqui em uma versão para quinteto de sopros.

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Para quê serve a Preta Gil?

Não é apresentadora, nem boa cantora, o quê ela é então?
Não dê risada. A minha pergunta é séria.

Tal questionamento veio com certa força em minha mente hoje pela manhã quando, conversando com uma amiga absolutamente fanática pelo reality show gastronômico Master Chef da TV Bandeirantes, notei que sua voz tinha algo de indignação quando ela “tentou” contar o que rolou ontem na final do programa - escrevo “tentou” porque eu sinceramente não estava com a menor vontade de ouvir algo a respeito de um programa ao qual não assisto. E no meio de sua crítica em relação ao fato de a final ter sido previamente gravada – apesar de a emissora fazer de tudo para que parecesse ao vivo -, minha amiga ainda contou que botaram a Preta Gil para, aparentemente, ajudar a “bombar” o Twitter do programa, com  resultados obviamente risíveis de tão constrangedores.

Foi então que caiu uma ficha em meu já desgastado cérebro: o que faz o diretor de um programa de TV a requisitar a presença de uma das filha de Gilberto Gil? Qual é o atrativo de uma garota que nada faz em termos artísticos para receber a atenção de alguém, seja nos bastidores das várias emissoras que ela frequenta com certa assiduidade, seja na casa de alguém que por ventura esteja assistindo TV? Qual o segredo para que ela esteja sempre presente em algum site de fofocas, mesmo quando não faz nada ou não tenha nada a dizer?

Não pode ser por algum tipo de audiência, já que todas as tentativas feitas para transformá-la em apresentadora resultaram em fracassos retumbantes – vide o patético “talk show de sexo” batizado como “Vai e Vem”. Também não é pela carreira musical, já que seus três discos de estúdio são incrivelmente ruins, os dois gravados ao vivo – que geraram DVDs - parecem shows de comédia involuntária. Você sinceramente conhece alguém que saia de casa para assistir a uma apresentação dela? Ou alguém que ouça seus discos no carro ou em casa? Ou que coloque um DVD para animar uma vista de amigos? Conhece? Eu não.

Bem, ainda resta a possibilidade de Preta Gil ser “famosa” por causa do seu bloco de carnaval, mas não acredito que seja por aí, já que qualquer artista mequetrefe que conseguir captar uma boa grana de “investidores” pode botar um caminhão com som ensurdecedor nas ruas e arregimentar uma fila de retardados para seguir atrás pulando como um rebanho de cabritos fugindo de uma família de ursos.

Se ela não é apresentadora, não é boa cantora e nunca tem nada de interessante a dizer, porque tem gente que ainda insiste em colocá-la no ar para injetar altas doses de uma substância chamada “nada” em seus programas? Só por que ela é amiga de Ivete Sangalo, Thiaguinho, Adriane Galisteu e outras figurinhas carimbadas das notícias de um show business recheado de subcelebridades nível Z?

É sério: alguém pode me explicar para quê serve a Preta Gil?

A HISTÓRIA DA MÚSICA E SUAS FORMAS - barroco

BARROCO

Nascendo nos últimos anos do séc.XVII - através de obras nas quais havia uma calculada noção de espetáculo - O BARROCO desenvolver - ia até a metade do século seguinte. Durante esse período que talvez tenha sido o mais fértil de toda a História, a música foi transformada em uma linguagem especialmente dramática, de forte apelo emocional.
A dramatização da música, no BARROCO, concretizou - se  principalmente em duas novas formas, aliás aparentadas: a cantata e a ópera.
Respectivamente dentro e fora da Igreja, estas faziam  com que os textos cantados, finalmente, passassem a ser percebidos como uma voz individual, agora "emoldurada" por um tecido instrumental que funcionava como acompanhamento. Ao lado desse campo onde a voz passou a imperar como forma de representação das paixões humanas, a música instrumental feita para ser interpretada por especialistas, os virtuoses colocou em relevo a imagem do novo homem mais dono de si mesmo.
De Cláudio Monteverdi a Jonhann Sebastian  Bach a música passaria por profundas transformações. As formas dramáticas como a cantata e a ópera recitativo, a área e o coro, que chegariam a influenciar até mesmo a música instrumental. Esta finalmente, ganhou autonomia tanto no que se refere à música para solista quanto à música para pequenos grupos e para grupos maiores, concertantes. Assim, a música instrumental foi capaz de criar formas pertencentes apenas a ela (a tocata, a fantasia, a suíte, o concerto  grosso, o concerto para solista e orquestra, etc.), dando um novo impulso ao próprio ato de escrever música.
Com o Barroco nasceu a harmonia. Durante os séculos anteriores, a polifonia era horizontal, com as melodias escorrendo umas sobre as outras.
O Barroco verticalizou a polifonia: colocou em relevo uma melodia principal geralmente a mais aguda, fazendo com que as outras se subordinassem a ela, acompanhando-a. Essa função de acompanhamento passou a ser entregue a um pequeno grupo de instrumentos chamado baixo-contínuo, que fornecia à melodia principal uma série de sons ouvidos simultaneamente, os acordes. (Esta descoberta foi tão poderosa que, ainda hoje, toda a música popular alimenta-se dela). Durante o Barroco assiste-se à passagem do velho universo sonoro da Idade Média e do Renascimento, baseado em várias constelações de sons fixos, os chamados "modos", para o novo domínio da tonalidade. Neste último campo, todas as escalas de sons passaram a ser estabilizadas a partir de apenas dois modos: o maior e o maior.
E como estas escalas eram formadas por meios-tons e tons inteiros, conseguiu-se dar à música a sensação de perpétuo movimento, algo desconhecido até então.

Girolamo Frescobaldi (1583-1643) deu ao cravo e ao órgão todo um repertório muito expressivo, inaugurando com ele a exploração das ricas potencialidades desses instrumentos. Com isso ele auxiliou a música  ocidental a alcançar o estágio de universo autônomo, regido por suas próprias leis e não mais preso ao mundo das palavras. Como representante da nova estética barroca, Frescobaldi alia as qualidades de compositor e de virtuose, seduzindo o público graças à força da sua imaginação e ao domínio técnico exercido sobre os instrumentos. Tais características encontram-se na Sexta Tocata (do livro II de Tocatas, 1627), que contrapõe belas e complexas figuras melódicas a maciças trocas de cor tonal proporcionadas pelos graves pedais.


Se Johann Sebastian Bach (1685-1750) tivesse composto apenas os dois volumes de O Cravo Bem temperado, tal fato já seria suficiente para que seu nome fosse colocado entre os dos maiores criadores musicais de todos os tempos. Isso porque os 48 prelúdios e fugas que  integram essas duas coletâneas são, além de uma espantosa experiência em torno de todas as tonalidades existentes, uma quase inacreditável reinvenção das formas abordadas. Essas características estão presentes no prelúdio e fuga nº8, em mi bemol maior (do volume I), que mostra em sua primeira parte um ânimo de dança lenta coroado por uma extraordinária melodia e, na fuga, uma concentrada escritura polifônica a três vozes distintas.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

A HISTÓRIA DA MÚSICA E SUAS FORMAS - renascimento

RENASCIMENTO.


O Renascimento, em música, é o tempo da polifonia sobretudo vocal, das belas construções nas quais as vozes se entrelaçam. Algumas das obras desse período são tão complexas que lembram sonoros e rebrilhantes labirintos. Durante essa época, a música extremamente intelectualizada da Igreja Católica e a música profana alegremente voltada para os prazeres da vida influenciam-se mutuamente.
Com isso surgem formas musicais novas e, principalmente, a idéia revolucionária de que a música pode ser tomada como um linguagem feita por seres humanos para seres humanos e não mais apenas como um veículo para colocar o homem em contato com Deus.
Durante a Renascença aparecem, ao lado das composições sacras (missas, motetes, etc.) danças novas, agora escritas com maior rigor e em uma enorme quantidade de fórmulas, algumas das quais sugeridas pelos próprios instrumentos. Mas a forma musical mais especificamente renascentista foi mesmo o madrigal polifônico, canção para ser cantada por várias vozes distintas. Seu aspecto final era dado pelo texto literário escolhido para ser musicado e na sua construção podia entrar um número bastante variável de linhas melódicas, de algumas poucas a várias dezenas delas. O madrigal utilizava o que se chama de "escrita imitativa": cada linha melódica espelhava-se em outra ou, então, "respondia"  a uma "pergunta" feita. Notáveis nesse polifônicas) de fundo naturalista, que recriavam musicalmente refrões ouvidos na rua, encontros e desencontros amorosos, ruídos de batalhas e vozes da natureza.
Os inícios do renascimento musical encontram-se entre os mestres que produziram na França e nos Países Baixos, os franco-flamengos que compunham durante a primeira metade do séc. XV, como Dufay e Binchois. Suas descobertas foram ampliadas pelas gerações seguintes, notadamente por Ockeghem, Josquin de Prés e Obrecht. Durante o séc. XVI o madrigal atinge o seu apogeu (Janequin, Palestrina, Lassus) sobretudo na Itália, enquanto que na Inglaterra florescem os pequenos grupos instrumentais. Estes, por sua vez, davam início à vocal, que teria repercussão na História da Música.

O final do Renascimento é marcado por algo a que já se chamou de "maneirismo", responsável por obras especialmente complexas e, algumas vezes, bastante exageradas. Esse é o instante em que se descobre a música estereofônica, conseguida através da utilização de vários conjuntos de vozes e como fizeram Andréa e Giobanni Gabrieli em Veneza. Esse também é o momento em que alguns compositores - como Gesualdo, o príncipe de Venosa - escreveram de forma tão torturada que, ainda hoje, sua música soa-nos espantosamente moderna.

A figura cosmopolita de Guilherme Dufay (c.1400-1474) marca a passagem da Idade Média para o Renascimento. Pai da Escola Flamenga, foi talvez ao maior compositor que a história da música conhecera até então. Soube assimilar genialmente as técnicas de composição de vários países, criando o modelo perfeito da missa polifônica, escrita a várias vozes e toda construída sobre um único material base - em geral, uma melodia do Canto Gregoriano . La Dolce Vista (o doce olhar) é uma das suas 80 canções profanas que, ao lado de mais de 120 obras sacras conseguiram chegar até nós.
Nela, a escrita a três vozes é levada a um extremo grau de refinamento; seu texto, uma singela declaração de amor, parece não Ter sido escrito por Dufay.

O espírito alegre do Renascimento é representado de maneira magistral por Clément Janequin (c.1485 - 1558), o principal compositor do gênero chanson, forma francesa aparentada à do madrigal italiano. Suas mais conhecidas canções polifônicas, com vozes sobrepondo-se umas às outras, são bastante descritivas. Este é o caso de Le Chant des oiseaux (o canto dos pássaros0, indiscutivelmente um dos maiores sucessos da época. Ao comando do compositor, que pede para que os ouvintes acordem, que pede para que os ouvintes acordem, já que é primavera, assiste-se a um verdadeiro "concerto ornitológico", com a sucessão de inumeráveis passarinhos cantando à maneira renascentista, ou seja, polifonicamente.



Durante a Renascença, a música instrumental desenvolveu-se grandemente, sobretudo na Inglaterra. Nesse país, várias gerações de compositores entregaram-se a esse campo, produzindo obras em geral escritas sobre motivos de danças ou motivos religiosos, notáveis pela transparência da sua trama polifônica. Exemplo disso é Browning de Elway Bevin, baseada em uma canção folclórica, tanto conhecida como the leaves be green quanto Browning, mandam. Ela foi destinada a um pequeno conjunto de três violas de gamba,  esses antigos instrumentos de cordas que, para serem tocados, devem ser segurados entre os joelhos dos intérpretes. Percursos das modernas orquestras de cordas, tais conjuntos chamavam-se, então, consort of viols.