PÓS-ROMANTISMO.
No final do século passado, grande parte da atividade musical européia
dividia-se em dois blocos opostos: um que encarava Wagner como a essência mesma
da música progressista, outro que via em Brahms o expoente máximo da
música verdadeiramente digna - clássica,
enfim.
Influenciados por Wagner, compositores como Richard Strauss levariam a
música até as margens da tonalidade; seguindo o exemplo de Brahms, artistas
como Max Reger retornariam as formas antigas, dando início a uma tendência que,
mais tarde, consolidar-se-ia no neoclassicismo. Por outro lado, houve uma nova
radicalização no sentido de se firmarem linguagens nacionais, contrapondo-se à
hegemonia germânica. Albeniz na Espanha, Janaceck na Checoslováquia, Mascagni
na Itália e Elgar na Inglaterra foram alguns dos muitos responsáveis pelo
ressurgimento do sentimento nacionalista em seus países.
Essa "crise" da música fim-de-século pode ser vista como uma
crise da própria linguagem musical.
Pois dois dos principais pilares sobre os quais ela assentava-se desde
o Barroco - a tonalidades e as formas simétricas - entraram aí em processo de
dissolução, apontando para o seu avesso: o mundo da a tonalidade e o das formas
abertas, em perpétua expansão. A música desse momento que agora parece-nos mais
criativa viveu agudamente tais contradições, explorando-as em obras que, em sua
época, muitas vezes foram taxadas simplesmente de "decadentes". Na
verdade, muitas delas apontam, a um só tempo, para o passado e para o futuro:
por um prisma, trazem as marcas de um romantismo assumido até o ponto máximo de
saturação; por outro prisma, já prenunciam certos traços que haveriam de ser
alguns dos mais marcantes da modernidade.
Durante o Pós-Romantismo, assiste-se à exacerbação dos meios
expressivos, responsável pelo surgimento de obras desmesuradas como as enormes
sinfonias de Gustav Mahler e os gigantescos poemas sinfônicos de Richard
Strauss.
Essas obras baseavam-se não apenas no alargamento e na deformação
consciente dos esquemas formais abordados, como também na ampliação da próprias
fontes sonoras colocadas em jogo - orquestras mais para estádios do que para salas
de concerto... Simultaneamente descobriu-se que o timbre, a "cor" do
som podia ser encarado como elemento informativo, tomado em pé de igualdade com
a própria melodia. Isso fez com que a música passasse a se assemelhar a vitrais
(Mahler) e a pinturas pontilhistas (Debussy). E ao lado do ultra-refinamento do
estilo, levado a cabo por Ravel, presenciou-se ao gradual esfacelamento da
tonalidade, presente tanto em Alexander Scriabin quanto no jovem Arnold
Shoenberg.
Claude Debussy (1862-1918),
considerado por alguns um mero "impressionista" que mal sabia
alinhavar idéias musicais, foi um desbravador que jamais deixou de olhar, de
maneira criativa, para o rico passado do mundo dos sons. Assim, ao lado de
obras revolucionárias por suas inovações, escreveu outras nas quais buscou
captar a tradição que considerava a mais viva. Esse é o caso de Dieu, qu'il a
fait bom regarder! Do ciclo três canções de Charles d'Orléans, de 1898-1908.
Seu texto bem antigo fala, de forma sempre apaixonada, das belezas de uma mulher.
Nessa peça, a harmonia moderna e a escritura vocal arcaica ressuscitam o clima
da velha arte do tempo de Janequin.
Richard Strauss (1864-1949) viveu de maneira tão intensa o clima
"outonal" da música do final do século passado que, até a sua morte,
jamais conseguiu desprender-se dele inteiramente. E se boa parte de sua
produção exemplifica a tendência ao monumental, outra faceta sua coloca-nos na
intimidade de uma personalidade repleta de sutilezas. Sua canção Morgen!
(amanhã!), sobre versos de Mackay e datada de 1894, é notável pela introversão
e pela vontade de fazer com que o piano "cante" tanto quanto a
própria voz. Canção que explora ao máximo as possibilidades desse gênero
tipicamente germânico, Morgen! É como que um último adeus ao romantismo. Seu
texto fala da certeza do reencontro de um par de amantes em meio à natureza
ensolarada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário