MODERNIDADE.
A música de nosso século coloca-se em contato, à sua maneira, com a
multiplicidade e a complexidade dos aspectos da vida moderna. A partir da
riqueza de suas propostas, também ela dá mostras de ser contraditória, inquieta
e, às vezes, muito angustiante. Em uma época atormentada, em que a maioria dos
velhos conceitos é relativizada, a própria música resolve colocar-se em
questão. Assim, ela discute profundamente os pressupostos da sua própria
linguagem, indicando sempre novas maneiras de pensar o espaço sonoro, agora
visto como um universo em perpétua expansão.
Entre as estéticas mais radicais do século encontra-se o dodecafonismo,
inaugurado por Arnold Shoenberg na década de 1920 e desenvolvido de imediato
por seus discípulos Alban Berg e Anton Von Webern. Ao instaurar esse
revolucionário sistema composicional - processo que estabeleceu a igualdade
entre todos os sons, abolindo a antiga hierarquia - Schoenberg operaria uma
transformação no panorama musical apenas comparável às levadas a cabo por
Beethoven, que deu a partida ao movimento romântico. Talvez por isso Shoenberg
tenha sido considerado sempre um músico "maldito", pois que ousou reformular
toda a linguagem musical. Contrapondo-se a
essa estética, o neoclassicismo (Prokofiev na União Soviética, Malipiero
na Itália, Hindemith na Alemanha, Poulenc e seus amigos na França , Vila-Lobos
no Brasil, etc.) esforçou-se em recuperar procedimentos da música antiga,
tentando fazer com que a História andasse ao invés.
Quase ao mesmo tempo, surgiram novas ondas de um nacionalismo não mais
de raiz romântica (de Falla na Espanha, bartok na Hungria), paralelamente à
tendência de encarar a música como uma arma política (Shostakovich na URSS,
Eisler e Weill na Alemanha, Dallapiccola na Itália). Por outro lado, a vontade
de abolir a pretensa "seriedade" da música erudita foi colocada em
prática, de maneira dadaísta, por Satie, enquanto que compositores como Ives e
Varése operavam experimentações notadamente personalista.
Dentro desse quadro do qual apontam-se aqui apenas alguns traços,
sobressai a figura de Igor Stravinsky. Iniciando-se à sombra dos nacionalistas
russos e dos impressionistas franceses, ele logo proporia obras
espetacularmente "bárbaras" por colocarem o ritmo em evidência.
Depois, refugiar-se-ia por longos anos em um neoclassicismo abandonado
no final de sua vida, quando enfim adotou o dodecafonismo de Schoenberg.
Sua serpenteante trajetória é bem uma vívida metáfora da música de
nosso século.
Igor Stravinsky (1882-1971) escreveu a sonata para piano em 1924,
durante o seu discutido período neoclassicismo. Nessa época, o compositor
dedicava-se à investigação de vários momentos do passado musical do Ocidente,
utilizando muitas vezes nessa aventura ora a "máscara" da paródia,
ora as armas da ironia. Na Sonata, Stravinsky empregou principalmente elementos
provenientes do Barroco e do Romantismo, dois momentos históricos que ele fez
questão de reunir em uma mesma partitura.
Em seus movimentos externos, é lembrada a antiga maneira de escrever
música para cravo; na seção central, é feita uma dupla homenagem: a Bach e a
Chopin, que aí se encontram sob o prisma do humor.
Anton Von Webern (1883-1945) compôs as quatro Peças para violino e
piano, Op. 7 em 1910, momento em que a música já assumira radicalmente a
atonalidade, espaço sonoro no qual não havia mais referências à harmonia
tradicional.
Essas peças, como já se disse uma vez, parecem concentrar todo um romance
em um só suspiro.
Concisas ao extremo, são como que delicados epigramas que encarnam o
som em sua própria materialidade. Esses sons gotejantes, por sua vez são
colocados em relevo por expressivos silêncios, aqui tomados em pé de igualdade
com a matéria que chega aos nossos ouvidos. Música extremamente clara, ela é,
por outro lado, difícil de ser ouvida, já que aponta para um futuro que mal
adivinhamos.
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