IDADE MÉDIA.
A igreja Católica foi a principal responsável pela reunificação da
Europa, após a queda do Império Romano. E para cristianizar os povos,
utilizou-se inclusive de uma forte arma: a música. A história da música
Ocidental, portanto, inicia-se exatamente dentro da Igreja, onde os textos
sacros passaram a receber música. Mas seus primeiros exemplos influenciados
pela música de várias culturas como a judaica, a greco-romana e a dos
primitivos povos europeus perderam-se para sempre. Isso porque a representação
gráfica dos sons através de partituras só seria aperfeiçoada bem mais tarde.
Música sacra medieval por excelência é o canto Gregoriano ou Cantochão,
organizado pelo papa Gregório (540-604). Esse gênero de música tornar-se-ia um
dos mais requintados e sábios produtos da nossa cultura. O canto Gregoriano é
uma sucessão de longas melodias cantadas em conjunto por padres e fiéis no
interior das igrejas, integrando as cerimônias religiosas. Suas curvas suaves e
o seu tom declamatório produzem uma atmosfera quase hipnótica.
Durante vários séculos, o Cantochão foi monódico, quer dizer, possuía
uma única linha melódica cantada em uníssono, sem qualquer tipo de acompanhamento.
Depois, principalmente a partir do séc. XI passou a ser empregado em
experiências polifônicas, com várias vozes distintas sendo sobrepostas umas às
outras.
As vidas do Santo, as Canções de Gesta, os Dramas Litúrgicos, os Autos
Profanos, assim como várias formas de dança, também são frutos da Idade Média.
Entretanto, foi no domínio da canção que essa época nos deixou exemplares de
uma beleza tão forte que é capaz de nos emocionar ainda hoje.
A partir do séc. XI várias gerações de poetas-cantores dedicaram-se a
esse gênero. Através de canções, eles faziam declarações de amor ou de
escárnio, protestavam contra a guerra ou contra o nobre, falavam da natureza e
dos sentimentos que alimentam os homens de todos os tempos.
Grandes compositores de canções foram os trovadores provençais do Sul
da França. Estes seriam, pouco mais tarde, seguidos pelos troveiros do Norte da
França e pelos Mestres Cantores das regiões germânicas. Até mesmo os primeiros
poetas da Literatura Portuguesa sofreram a sua influência.
É que, contrapondo-se ao seríssimo universo da música sacra feita para
colocar os fiéis em contato com Deus os trovadores profanos desenvolveram, como
disse Ezra Pound, "uma arte entre a literatura e a música",
extremamente voltada para as dores e também para os prazeres da vida.
Belo exemplo de Canto Gregoriano é puer natus est nobis (um menino nos
nasceu), que serve de introdução solene à terceira das missas do Natal, a
luminosa Missa do dia. Comemorando o nascimento de Jesus, esse cântico foi
escrito sobre um modo eclesiástico - antiga escala de sete sons - então
considerado alegre, jubiloso. Nele, uma antífona retirada de Isaías enquadra um
curto versículo do livro dos Salmos. Apesar de seus primeiros manuscritos
datarem do séc. X, sabe-se que essa música é bem mais antiga. Seu texto diz:
"Um menino nos nasceu, um filho nos foi dado; a sabedoria repousará sobre
seus ombros e ele se chamará Anjo do grande conselho. Cantai ao Senhor um
cântico novo, porque ele operou maravilhas".
O Canto Gregoriano exerceu grande influência sobre a música profana
medieval. Prova disso é Pax in nomine Domini! (paz em nome do Senhor!) de
Marcabru, um dos mais antigos trovadores provençais do Sul da atual França, que
produziu durante a primeira metade do séc. XII. A canção faz referências a uma
cruzada contra os mouros e seu texto vai da súplica a Deus à condenação dos
homens, que o poeta-músico considerava "degenerados". Crítico
violento dos costumes de seu tempo, Marcabru foi descrito assim, em uma
saborosa biografia surgida depois de sua morte:
'Foi muito famoso e andou pelo mundo e foi temido por sua língua e foi
tão maldizente que finalmente o mataram os castelãos de Guyenne, dos quais
havia dito muito mal".
Kanenda Maya (primeiros dias de Maio) é outra canção trovadoresca
bastante peculiar. Por um lado, baseia-se em uma dança, uma movimentada
estampida que o compositor parece Ter ouvido no castelo de Montferrat, tocada
por um grupo de músicos em suas vielas, seu texto trata de dois dos mais
queridos temas dos artistas da Provença: o amor cortês, no qual o trovador
sublimava a sensualidade ao colocar-se diante da amada como um vassalo, e a
chegada da primavera, instante de renovação da natureza e de revigoração da
forças vitais. Seu autor é Raimbaut de Vaqueiras, do qual pouco se sabe, além
do fato de Ter vivido entre o final do séc. XII e o início do século seguinte.
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