CURSOS LIVRES DE MÚSICA

domingo, 6 de setembro de 2015

O ouvido absoluto

fonte: FLAUTADOCEBR

A conexão entre o ouvido absoluto e a aquisição da língua materna
Por Jessica Jenkins Davis
Adaptação para português: Gustavo de Francisco


Seguindo o princípio que “assim como todas as crianças adquirem a habilidade de falar sua língua materna, qualquer criança que for treinada adequadamente pode desenvolver a habilidade musical,” Dr. Shinichi Suzuki desenvolveu uma nova abordagem para a educação musical, e isto transformou a maneira com que a música era ensinada. É importante a todos nós como professores de música, que não fiquemos restritos apenas nas idéias de um único educador ou método, mas sim que consideremos outras pesquisas para defender e orientar os nossos próprios métodos de ensino. Ouvir música em casa, assim como iniciar o estudo musical bem cedo, são dois aspectos da abordagem Suzuki que encontra respaldo em pesquisas científicas recentes. Pesquisas sobre ouvido absoluto e línguas tonais confirmam que a habilidade musical e a aquisição da linguagem, idéia do Dr. Suzuki, estão conectadas.

Ouvido Absoluto

Não seria maravilhoso ouvir uma música pela primeira vez e conseguir saber exatamente quais notas foram tocadas? Essa habilidade, conhecida como ouvido absoluto, é a habilidade de reconhecer e reproduzir uma nota (ou altura) sem nenhuma referência. Apenas uma entre dez mil pessoas possuem o ouvido absoluto, e esta habilidade é geralmente associada a muitos músicos famosos, de Beethoven a Yo-Yo Ma. Pesquisadores nas áreas de psicologia e música têm estudado como as pessoas adquirem esta habilidade e também sua relevância para músicos modernos. Muitos educadores e músicos têm tentado ensinar a eles mesmos, e também seus estudantes, a desenvolver esta habilidade, porém geralmente sem sucesso. Pessoas com ouvido absoluto podem cantar ou identificar notas rapidamente, praticamente sem pensar a respeito, comparado à simples habilidade de identificar as cores; a maioria das pessoas com ouvido absoluto não lembram como adquiriram esta habilidade (1).

A idade é um fator importante no desenvolvimento do ouvido absoluto. Num estudo recente, crianças muito novas com oito meses de vida foram capazes de executar tarefas que requeriam o reconhecimento da altura absoluta de sons (2). Em uma avaliação onde participaram mais de seiscentos músicos, foi encontrado que 40% dos músicos que começaram a estudar música antes dos 4 anos de idade desenvolveram ouvido absoluto, enquanto apenas 2,7% dos músicos que começaram os estudos depois dos 12 anos de idade desenvolveram esta habilidade (3). Estas estatísticas mostram que há uma correlação entre o desenvolvimento do ouvido absoluto e a idade em que a criança começa a aprender música.

Uma pessoa normal consegue cantarolar músicas conhecidas em alturas muito próximas da tonalidade original, mas é incapaz de verbalizar o nome da tonalidade em que está cantando (4). Isto demonstra que humanos têm uma excelente e confiável memória para alturas sonoras, porém a maioria das pessoas é incapaz de identificar uma nota com um nome. A Dra. Diana Deutsch compara esta falta de habilidade com a anomia de cor, que é a habilidade de reconhecer mas não nomear as cores. Existem apenas 12 notas na oitava, e as pessoas sem ouvido absoluto podem reconhecer que estas notas são diferentes e que são familiares, porém não podem dar nomes às notas. Nos dias de hoje, alguns pesquisadores acreditam que o ouvido absoluto precisa ser desenvolvido nos primeiros anos de vida, e está diretamente relacionado com as partes do cérebro responsáveis pela aquisição da linguagem. Recentemente, pesquisadores têm especulado que desenvolver o ouvido absoluto é similar a desenvolver as nuances ou sotaques da língua materna (5).

Falar naturalmente:
O aprendizado da língua e o ouvido absoluto

Pessoas que tem o vietnamita ou o mandarim como línguas maternas usam alturas específicas enquanto pronunciam palavras. Por exemplo, em mandarim, a palavra “ma” significa mãe quando falado em uma altura, é cânhamo ou linho quando falado em outra altura(6). Também descobriram que a altura usada na fala destas pessoas não é determinada pelas características físicas da pessoas como altura e peso por exemplo, mas sim, pela comunidade em que esta pessoa vive. Em um estudo a respeito de linguagens tonais, vietnamitas foram convocados a recitar a mesma lista de palavras em dois dias diferentes, e a experiência foi gravada para comparar se eles usavam as mesmas notas durante a fala em diferentes dias. Foi provado que a sua pronúncia em diferentes palavras era muito consistente, e a maior parte do tempo havia uma diferença menor que um semitom entre os dois dias. Como as línguas tonais associam cada palavra a uma nota específica, acredita-se que eles desenvolveram uma forma de ouvido absoluto (7).

Em resposta a estas descobertas, pesquisadores criaram uma hipótese que a habilidade de associar as alturas da fala com nomes é geralmente adquirida no primeiro ano de vida, durante o “período crítico” – que chamarei de janela de aprendizado – que as crianças adquirem as habilidades da fala (8). Este período é determinante no desenvolvimento do indivíduo, onde ele ou ela tem uma maior capacidade para o aprendizado de determinadas habilidades, como a habilidade de aprender sua língua materna. Se o ouvido absoluto pode ser desenvolvido durante esta janela tão pequena ligada à aquisição da língua materna, então é possível que o ouvido absoluto seja uma evolução a partir da fala ao invés de ser uma habilidade musical. Estas descobertas mostram que a aquisição da linguagem deve estar mais associada à habilidade musical do que cientistas acreditavam previamente. Esta teoria confirma aquilo que o Dr. Suzuki acreditava, que a habilidade musical se desenvolve da mesma forma que o aprendizado da língua materna.

Dificuldades na aquisição do ouvido absoluto

Mesmo não sendo impossível, é sempre desafiador para um adulto a aprender um segundo idioma, por que a janela para a aprendizagem da língua já acabou. Do mesmo modo, comparando com os adultos, é mais provável que uma criança readquira a habilidade de falar após um dano ou injúria cerebral (9). Cientistas acreditam que isto é devido à janela de aprendizagem. Na intenção de ensinar ouvido absoluto para adultos, algumas pessoas aumentaram sua capacidade de reconhecer notas, mas nenhuma delas chega à taxa de acerto de alguém que tenha ouvido absoluto.

Então, por que aqueles que não falam um idioma tonal desenvolveram ouvido absoluto sem serem expostos ao nome das notas antes de 1 ano de vida? Acredita-se que algumas pessoas têm esta janela de aprendizagem da língua maior, além do primeiro ano de vida, e isto possibilita que estes memorizem os sons um pouco mais velhos, quando ainda eram jovens estudantes de música. Esta predisposição para uma janela de aprendizado maior pode ser associada à genética e possivelmente conectada à organização cerebral. Ouvido absoluto é encontrado geralmente dentro de famílias, e mesmo entre irmãos, sugerindo que exista uma ligação genética para uma janela de aquisição da linguagem excepcionalmente longa. Músicos com ouvido absoluto tendem a possuir uma forma não usual de estrutura cerebral. Foi encontrado que pessoas com ouvido absoluto têm maior assimetria do lado esquerdo da parte do cérebro responsável pelo processamento da fala (10). Novamente, estas descobertas indicam uma conexão entre o ouvido absoluto e o desenvolvimento da linguagem.

E como isso pode afetar pais e professores?

Existe um grande debate entre os músicos sobre o real valor do ouvido absoluto. Alguns dizem que adorariam ter ouvido absoluto, enquanto outros que têm desejariam de não ter. Mesmo que alguns dos grandes músicos sejam conhecidos por ter ouvido absoluto, esta habilidade não torna ninguém melhor do que outros no que diz respeito à performance musical. Além do mais, alguns músicos com ouvido absoluto cometem erros de oitava ao dar nome às notas, ou têm sérios problemas para tocar em ambientes de afinação não estável ou em outras referências (como em A=415Hz na música antiga, por exemplo), e têm dificuldade em tocar em tons não originais. Muitos músicos acreditam que ter um ouvido relativo muito bom, ou entender sobre as distâncias e relações entre as notas, é uma habilidade muito mais útil para se adquirir.

Como pais e professores, é importante entender como as pesquisas que estão sendo feitas em outras áreas fora da música podem ajudar na nossa maneira de ensinar e entender a música. Pesquisas sobre o desenvolvimento do ouvido absoluto relacionando-o com o aprendizado da língua materna fortalecem a idéia do Dr. Suzuki que “a habilidade musical não é um talento inato, mas sim, uma habilidade que pode ser desenvolvida”. É nossa função, como pais e professores, estimular os talentos das crianças, e a entender que toda criança é capaz.

Notas
D. Deutsch, M. Dolson, and T. Henthorn, “Absolute pitch, speech, and tone language: Some experts and a proposed framework,” Music Perception: An interdisciplinary Journal, 21 (2004): 339-356
J. R. Saffron and G.J. Griepentrog, “Absolute pitch in infant auditory learning: Evidence for developmental reorganization”, Developmental Psychology, 37 (2001): 74-85
D. Deutsch, “The puzzleof absolute pitch”, Current directions in Psychological Science, 11 (2002): 200-204
Halpern, A. R. “Memory for the absolute pitch of familiar songs”, Memory and Cognition, 17 (1989): 572-581
Deutsch, Current directions in psychological science, 11
Deutsch, Current directions in psychological science, 11
Deutsch, et al., Music Perception: An interdisciplinary Journal, 21
P. W. Jusczyk, A. D. Friederici, J. Wessels, V. Y. Svenkerud, and A. M. Jusczyk, “Infants’ sensitivity to sound patterns of native language words”, Journal of memory and language, 32 (1993): 402-420
Deutsch, et al., Music Perception: An interdisciplinary Journal, 21
G. Schlaug, L. Janckem, Y. Huang, and H. Steinmetz, “In vivo evidence of structural brain asymmetry in musicians”, Science, 267 (1995): 699-701
K. Miyakazi, “Absolute pitch as inability: Identification of intervals in a tonal context”, Music perception: An Interdisciplinary Journal, 11 (1993): 55-71

Jessica Jenkins DavisJessica Jenkins Davis dirige o programa suzuki de cordas no Meredith College em Raleigh – North Carolina, e é candidata ao doutorado em educação musical na University of North Carolina em Greensboro. Jessica começou seus estudos em San Diego – California, como violinista suzuki. Do rol de professores, incluem Melissa Reardon, Philip Tyler, Mary Gerard e Shirley Stafford. Ela escreveu muitos artigos sobre os benefícios da educação musical, e está empenhada a trazer a alegria da música na vida do maior número de crianças possível.

Para saber mais sobre o Método Suzuki no Brasil, entre em contato com o Centro Suzuki de Educação Musical, pelo endereço http://www.centrosuzuki.com.br/. O Centro Suzuki oferece atualmente cursos de flauta doce, flauta transversal, violino, viola, piano, violão e sensibilização musical para bebês e crianças.

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